quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012


Porque o aumento de crédito encarece o preço das coisas?

Imagine que você resolveu comprar um carro que custa aproximadamente R$ 40.000,00, mas não tem dinheiro. Imagine também que você mora num mundo alternativo em que não há bancos e nenhum tio Patinhas inventou o conceito de juros, nem de empréstimo. Em outras palavras, você não pode financiar o carro. Se você tiver o dinheiro em mãos, compra o carro; se não tiver, não o compra. Simples assim. O que você faz? Sua única alternativa é… poupar. Se você poupar R$ 400,00 por mês, em uns 8 anos terá o suficiente para comprá-lo.

O José retruca: “Pô, Fábio, 8 anos é tempo demais!! Não tem um jeito mais fácil de comprar esse carro não? Afinal, eu PRECISO ir trabalhar, e o buzão tá cheio demais!! Eu preciso do carro AMANHÃ!!”
Nesse mundo alternativo, aparece um sujeito (o Tio Patinhas) que poupou bastante dinheiro no passado e tem uma idéia brilhante: começar a emprestar dinheiro para José  aproveitar imediatamente, pagando módicas prestações. Mas cobra um preço por isso: para cada ano que o dinheiro foi antecipado, ele cobra 10% sobre o valor emprestado. Em outras palavras, ele cobra um valor pelo tempo de antecipação do crédito.

José, estupefato, responde: “Peraí, Fábio: quer dizer que quando alguém cobra juros de outra pessoa, na verdade está vendendo tempo?” Sim, é isso mesmo! Quando alguém empresta dinheiro e cobra juros, está vendendo o tempo que foi antecipado para a satisfação da vontade do credor. Tio Patinhas ganha dinheiro com a pressa de José.

No caso do exemplo, Tio Patinhas ganha R$ 4.000,00 por ano do empréstimo (10% por ano calculado sobre R$ 40.000,00) . Em 8 anos, são R$ 32.000,00 a mais que José vai pagar pelo carro que custava R$ 40.000,00, um valor total de R$ 72.000,00.  Mas José paga feliz e satisfeito essa diferença: em primeiro lugar, porque ele não sabia que estava pagando tanto (é, normalmente as pessoas não fazem essa conta); e em segundo lugar, porque começou a dirigir seu carro no mesmo dia. E as suas prestações, que eram de R$ 400,00 por mês para pagar o carro, passaram para R$ 720,00 para pagá-lo no mesmo período. Bem mais salgado… Se José decidisse economizar os R$ 720,00 todo mês, pagaria o carro em pouco mais de 4 anos e meio (isso se ele não investisse o dinheiro num fundo de renda fixa, que paulatinamente aumentaria o poder de seu dinheiro, economizando mais alguns meses no final das contas).

Mas a moral da história até aqui é a seguinte: o tempo tem preço, e o crédito é uma maneira de cobrá-lo. E o tempo teria preço mesmo que os juros não existissem. Pense bem: você preferiria ganhar R$ 40.000,00 hoje ou daqui a 5 anos? Se você disse que preferiria ganhar esse dinheiro hoje (e eu tenho certeza que você diria isso), isso significa que o valor de R$ 40.000,00 hoje é maior do que daqui a 5 anos. E nós pensamos assim mesmo: há vários estudos em psicologia evolutiva que mostram que nós, humanos, atribuímos valor maior para as coisas que estão mais próximas de nós, no tempo, do que as que estão distantes. É parte de nossa psicologia.

Outra consequência importante do crédito é a seguinte: ele encarece o preço das coisas. Quanto mais crédito, mais caras as coisas que podemos comprar ficam. Por que isso acontece? Porque, quanto mais crédito no mercado, mais as pessoas podem antecipar o consumo futuro, comprando as coisas que elas gostariam hoje. Sem o crédito, essas coisas somente poderiam ser compradas no futuro, depois que fosse poupado dinheiro o suficiente para adquiri-las.

É o que aconteceu no caso de José: ele não tinha os R$ 40.000,00 para comprar o carro hoje, mas tinha R$ 720,00 para pagar as prestações do financiamento. Se o crédito não existisse, ele não faria parte do público consumidor daquele carro por um bom tempo, porque não teria dinheiro para pagá-lo. E não apenas José: Joaquim, Maria, Angélica e Manoel também não poderiam comprar o carro se não existisse crédito. Sem essa demanda, o preço dos carros cairia (a famosa lei da oferta e da demanda), até que houvesse pessoas com capacidade econômica suficiente para poder comprar um automóvel. Se o crédito não existisse, as pessoas teriam que economizar muito antes que pudessem comprar um carro, mas talvez pudessem comprá-lo mais barato (digamos, por R$ 20.000,00).

A queda de juros nos empréstimos também equivale a um aumento de crédito. Se antes José pagava R$ 20,00 por ano para poder pegar emprestado R$ 100,00, a uma taxa de juros de 10%, também pode pagar os mesmos R$ 20,00 por ano para poder tomar um empréstimo de R$ 200,00 a uma taxa de 5% ao ano! Afinal, o dinheiro para as prestações ele tem! Com juros mais baixos, ele pode antecipar mais consumo que apenas poderia fazer apenas no futuro. Isso aquece o mercado, pois há mais pessoas com capacidade de consumir mais imediatamente, elevando a demanda pelos produtos disponíveis – e isso eleva o preço dos bens a serem consumidos.

Isso acontece no mercado de imóveis também. Há alguns anos, a disponibilidade de crédito para o financiamento de imóveis era bastante baixa: os critérios eram mais rígidos e os juros, muito mais altos. Manoel queria comprar um apartamento, mas tinha apenas R$ 600,00 por mês para pagar as prestações. Um apartamento de R$ 100.000,00 só podia ser financiado por alguém que pudesse pagar prestações de R$ 1.028,00, porque os juros eram de 12% ao ano. Com uma queda dos juros para 6% ao ano, as prestações do mesmo apartamento cairiam para aproximadamente R$ 599,00. João, que antes não podia pagar o apartamento, agora pode: e não apenas ele, mas também Manoel, Maria, Angélica e Joaquim também podem comprar o apartamento. Com isso, a demanda por ele aumenta, e seu valor de mercado também, elevando o valor das prestações até um ponto de equilíbrio entre oferta e demanda.
Por que isso acontece? Com uma prestação de R$ 1.028,00 por mês por 30 anos, o valor do apartamento seria de aproximadamente R$ 100.000,00. Isso acontece quando a taxa de juros está fixada em 12% ao ano. Mas, se ela cai para 6% ao ano, sem considerar os efeitos na demanda e na oferta, a prestação cairia para R$ 599,00. Descontando o efeito dos juros futuros, essa prestação futura equivale à prestação paga por um apartamento de R$ 58.200,00. Ou seja, o preço do apartamento “cairia” quase pela metade. Com essa queda artificial dos preços, contudo, a demanda por aquele apartamento específico aumenta, pois há mais pessoas com R$ 58.200,00 do que pessoas com a disponibilidade de R$ 100.000,00.
Quem podia pagar uma prestação de R$ 1.028,00 agora pode pagar a mesma prestação por um apartamento melhor, elevando a demanda desses novos apartamentos. E quem não podia pagar os R$ 1.028,00, agora pode pagar uma prestação bastante inferior (R$ 599,00) para comprar o mesmo apartamento. Com a demanda maior, e mantida a mesma oferta, os preços dos apartamentos naturalmente sobem.

Com juros de 6% ao ano, uma prestação mensal de R$ 1.028,00 em 35 anos pode comprar um apartamento que valeria, hoje, R$ 171.000,00. Essa mesma prestação, contudo, a juros de 12% ao ano, pagaria apenas um apartamento de R$ 100.000,00.  Com a redução da taxa de juros, a mesma prestação poderia pagar por um apartamento cujo preço é 71% maior. Na prática, isso significa que um apartamento poderia ter seu valor aumentado artificialmente apenas pela queda na taxa de juros de seu financiamento.
É por isso que o governo não pode manter os juros em patamares extremamente baixos: o preço das coisas aumenta de tal forma que o efeito real para a economia pode ser perverso, com o aumento paulatino da inflação. Quando os juros voltam a subir, se os contratos de financiamento forem corrigidos pelas novas taxas de juros, ocorre o efeito inverso. O preço dos bens pode sofrer uma queda abrupta, porque os consumidores não têm capacidade econômica para suportar os novos preços. Com menos demanda, menores os preços cobrados no mercado.
E isso pode deixar muita gente desapontada: imagine só você pagar uma prestação por um apartamento que valeria, em tese, R$ 170.000,00, mas na prática ele só pode ser vendido por R$ 100.000? Os americanos aprenderam na prática os danos que a artificialidade no aumento do crédito pode acarretar…

Fonte: Advfn

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