Porque
o aumento de crédito encarece o preço das coisas?
Imagine
que você resolveu comprar um carro que custa aproximadamente R$ 40.000,00, mas
não tem dinheiro. Imagine também que você mora num mundo alternativo em que não
há bancos e nenhum tio Patinhas inventou o conceito de juros, nem de
empréstimo. Em outras palavras, você não pode financiar o carro. Se você tiver
o dinheiro em mãos, compra o carro; se não tiver, não o compra. Simples assim.
O que você faz? Sua única alternativa é… poupar. Se você poupar R$ 400,00 por
mês, em uns 8 anos terá o suficiente para comprá-lo.
O
José retruca: “Pô, Fábio, 8 anos é tempo demais!! Não tem um jeito mais fácil
de comprar esse carro não? Afinal, eu PRECISO ir trabalhar, e o buzão tá cheio
demais!! Eu preciso do carro AMANHÃ!!”
Nesse
mundo alternativo, aparece um sujeito (o Tio Patinhas) que poupou bastante
dinheiro no passado e tem uma idéia brilhante: começar a emprestar dinheiro
para José aproveitar imediatamente, pagando módicas prestações. Mas cobra
um preço por isso: para cada ano que o dinheiro foi antecipado, ele cobra 10%
sobre o valor emprestado. Em outras palavras, ele cobra um valor pelo tempo de
antecipação do crédito.
José,
estupefato, responde: “Peraí, Fábio: quer dizer que quando alguém cobra juros
de outra pessoa, na verdade está vendendo tempo?” Sim, é isso mesmo! Quando
alguém empresta dinheiro e cobra juros, está vendendo o tempo que foi
antecipado para a satisfação da vontade do credor. Tio Patinhas ganha dinheiro
com a pressa de José.
No
caso do exemplo, Tio Patinhas ganha R$ 4.000,00 por ano do empréstimo (10% por
ano calculado sobre R$ 40.000,00) . Em 8 anos, são R$ 32.000,00 a mais que José
vai pagar pelo carro que custava R$ 40.000,00, um valor total de R$
72.000,00. Mas José paga feliz e satisfeito essa diferença: em primeiro
lugar, porque ele não sabia que estava pagando tanto (é, normalmente as pessoas
não fazem essa conta); e em segundo lugar, porque começou a dirigir seu carro
no mesmo dia. E as suas prestações, que eram de R$ 400,00 por mês para pagar o
carro, passaram para R$ 720,00 para pagá-lo no mesmo período. Bem mais salgado…
Se José decidisse economizar os R$ 720,00 todo mês, pagaria o carro em pouco
mais de 4 anos e meio (isso se ele não investisse o dinheiro num fundo de renda
fixa, que paulatinamente aumentaria o poder de seu dinheiro, economizando mais
alguns meses no final das contas).
Mas
a moral da história até aqui é a seguinte: o tempo tem preço, e o crédito é uma
maneira de cobrá-lo. E o tempo teria preço mesmo que os juros não existissem.
Pense bem: você preferiria ganhar R$ 40.000,00 hoje ou daqui a 5 anos? Se você
disse que preferiria ganhar esse dinheiro hoje (e eu tenho certeza que você
diria isso), isso significa que o valor de R$ 40.000,00 hoje é maior do que
daqui a 5 anos. E nós pensamos assim mesmo: há vários estudos em psicologia
evolutiva que mostram que nós, humanos, atribuímos valor maior para as coisas
que estão mais próximas de nós, no tempo, do que as que estão distantes. É
parte de nossa psicologia.
Outra
consequência importante do crédito é a seguinte: ele encarece o preço das
coisas. Quanto mais crédito, mais caras as coisas que podemos comprar ficam.
Por que isso acontece? Porque, quanto mais crédito no mercado, mais as pessoas
podem antecipar o consumo futuro, comprando as coisas que elas gostariam hoje.
Sem o crédito, essas coisas somente poderiam ser compradas no futuro, depois
que fosse poupado dinheiro o suficiente para adquiri-las.
É
o que aconteceu no caso de José: ele não tinha os R$ 40.000,00 para comprar o
carro hoje, mas tinha R$ 720,00 para pagar as prestações do financiamento. Se o
crédito não existisse, ele não faria parte do público consumidor daquele carro
por um bom tempo, porque não teria dinheiro para pagá-lo. E não apenas José:
Joaquim, Maria, Angélica e Manoel também não poderiam comprar o carro se não
existisse crédito. Sem essa demanda, o preço dos carros cairia (a famosa lei da
oferta e da demanda), até que houvesse pessoas com capacidade econômica
suficiente para poder comprar um automóvel. Se o crédito não existisse, as
pessoas teriam que economizar muito antes que pudessem comprar um carro, mas
talvez pudessem comprá-lo mais barato (digamos, por R$ 20.000,00).
A
queda de juros nos empréstimos também equivale a um aumento de crédito. Se
antes José pagava R$ 20,00 por ano para poder pegar emprestado R$ 100,00, a uma
taxa de juros de 10%, também pode pagar os mesmos R$ 20,00 por ano para poder
tomar um empréstimo de R$ 200,00 a uma taxa de 5% ao ano! Afinal, o dinheiro
para as prestações ele tem! Com juros mais baixos, ele pode antecipar mais consumo
que apenas poderia fazer apenas no futuro. Isso aquece o mercado, pois há mais
pessoas com capacidade de consumir mais imediatamente, elevando a demanda pelos
produtos disponíveis – e isso eleva o preço dos bens a serem consumidos.
Isso
acontece no mercado de imóveis também. Há alguns anos, a disponibilidade de
crédito para o financiamento de imóveis era bastante baixa: os critérios eram
mais rígidos e os juros, muito mais altos. Manoel queria comprar um
apartamento, mas tinha apenas R$ 600,00 por mês para pagar as prestações. Um
apartamento de R$ 100.000,00 só podia ser financiado por alguém que pudesse
pagar prestações de R$ 1.028,00, porque os juros eram de 12% ao ano. Com uma
queda dos juros para 6% ao ano, as prestações do mesmo apartamento cairiam para
aproximadamente R$ 599,00. João, que antes não podia pagar o apartamento, agora
pode: e não apenas ele, mas também Manoel, Maria, Angélica e Joaquim também
podem comprar o apartamento. Com isso, a demanda por ele aumenta, e seu valor
de mercado também, elevando o valor das prestações até um ponto de equilíbrio
entre oferta e demanda.
Por
que isso acontece? Com uma prestação de R$ 1.028,00 por mês por 30 anos, o
valor do apartamento seria de aproximadamente R$ 100.000,00. Isso acontece
quando a taxa de juros está fixada em 12% ao ano. Mas, se ela cai para 6% ao
ano, sem considerar os efeitos na demanda e na oferta, a prestação cairia para
R$ 599,00. Descontando o efeito dos juros futuros, essa prestação futura
equivale à prestação paga por um apartamento de R$ 58.200,00. Ou seja, o preço
do apartamento “cairia” quase pela metade. Com essa queda artificial dos
preços, contudo, a demanda por aquele apartamento específico aumenta, pois há
mais pessoas com R$ 58.200,00 do que pessoas com a disponibilidade de R$
100.000,00.
Quem
podia pagar uma prestação de R$ 1.028,00 agora pode pagar a mesma prestação por
um apartamento melhor, elevando a demanda desses novos apartamentos. E quem não
podia pagar os R$ 1.028,00, agora pode pagar uma prestação bastante inferior
(R$ 599,00) para comprar o mesmo apartamento. Com a demanda maior, e mantida a
mesma oferta, os preços dos apartamentos naturalmente sobem.
Com
juros de 6% ao ano, uma prestação mensal de R$ 1.028,00 em 35 anos pode comprar
um apartamento que valeria, hoje, R$ 171.000,00. Essa mesma prestação, contudo,
a juros de 12% ao ano, pagaria apenas um apartamento de R$ 100.000,00.
Com a redução da taxa de juros, a mesma prestação poderia pagar por um
apartamento cujo preço é 71% maior. Na prática, isso significa que um
apartamento poderia ter seu valor aumentado artificialmente apenas pela queda
na taxa de juros de seu financiamento.
É
por isso que o governo não pode manter os juros em patamares extremamente
baixos: o preço das coisas aumenta de tal forma que o efeito real para a
economia pode ser perverso, com o aumento paulatino da inflação. Quando os
juros voltam a subir, se os contratos de financiamento forem corrigidos pelas
novas taxas de juros, ocorre o efeito inverso. O preço dos bens pode sofrer uma
queda abrupta, porque os consumidores não têm capacidade econômica para
suportar os novos preços. Com menos demanda, menores os preços cobrados no
mercado.
E
isso pode deixar muita gente desapontada: imagine só você pagar uma prestação
por um apartamento que valeria, em tese, R$ 170.000,00, mas na prática ele só
pode ser vendido por R$ 100.000? Os americanos aprenderam na prática os danos
que a artificialidade no aumento do crédito pode acarretar…
Fonte:
Advfn
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